terça-feira, 11 de novembro de 2008

o direito de não amar.

puxando o gatilho disparado pelo texto anterior, ou apenas pescando o peixe da linha que ficou boiando, amar é complicado e vou voltar no tema. aproveitando (também) que estou nula de criatividade e apática de pensamentos, trago um texto que acho bom. e em bom momento.
antes, só algumas constatações: é fácil gostar de quem gosta da gente, é facílimo amar quem nos ama. podemos dizer de peito aberto que respeitamos quem concorda com a gente. o outro lado, desgarrado, que excluímos como doença, é que é o nosso equívoco. aprovar quem não nos aprova, respeitar quem não nos respeita. a minha educação não depende da sua. talvez vá parecer meio cristão, mas acho que amar de verdade é amar primeiro. e depois, respeitar o espaço que cada um tem - para gostar e desgostar. ser por si só, suficiente.

o direito de não amar
lygia fagundes telles

se o homem destrói aquilo que mais ama, como afirmava Oscar Wilde, a vontade de destruição se aguça demais quando aquilo está amando um outro. o egoísmo, sem dúvida o traço mais poderoso de qualquer sexo, transborda então intenso e borbulhante como água em pia entupida, artérias e canos congestionados na explosão aguda: "nem comigo, nem com ninguém!" deste raciocínio para o tiro, veneno ou faca, vai um fio.
a segunda porta foi a que escolheu aquele meu colega da academia quando descobriu que a pior das vinganças é não matar mas deixar o objeto amado viver, viver à vontade, "pois que ela viva!" - decidiu ele na sua fúria vingativa. amou-a perdidamente (...) como ele lutou, meu deus, como ele lutou! tentou conquistá-la com presentes(...) na fase final era violento - começou com as ameaças.
(...) meu colega dava murros nas paredes, nos móveis. puxava os cabelos, "ela não tem o direito de me me fazer isso!" com a débil voz da razão, tentei dizer-lhe que ela bem que tinha esse direito de amar ou não amar, vê se entende essa coisa tão simples! mas ele era só ilogicidade e desordem: "vou lá, dou-lhe um tiro no peito e me mato em seguida!" mas tantos repetiu esse juramento que fiquei mais tranquilizada com a esperança que a energia canalizada para o ato acabaria se exaurindo nas palavras.
o que aconteceu: uma noite me procurou todo penteado, todo contido, com um sorrisinho no canto da boca (...) "vou ficar quieto, que se casem depressa porque no casamento que está minha vingança. no casamento e no tempo. se nenhum casamento dá certo...".
há ainda uma terceira porta, saída de emergência para desiludidos do amor, não, nada de matar o objeto de paixão ou esperar que ela vire uma megera(...) mas renunciar. simplesmente renunciar com o coração limpo de mágoa e rancor, tão limpo que em meio ao maior abandono ainda tenha forças para se voltar na direção da amada como um girassol na despedida do crepúsculo. e desejar que ao menos ela seja feliz.


pensar sobre renúncia é sempre complicado. quando pensamos que é preciso renunciar a certas coisas, não percebemos que estamos automaticamente pensando em confiar em nós mesmos. quando criamos vergonha na cara para partir, levamos na mochila apenas o que mais precisamos. e é para isso que eu queria chamar atenção: para o que está dentro da bolsa, para o que vai e não para o que fica. pode ser que a gente não perceba, mas terão horas na vida em que vai ser inexoravelmente necessário abandonar certas coisas (até mesmo quando a gente esquece). renunciar é ter paz, é ser corajoso como insistir. renunciar é assinar um acordo consigo mesmo, é se pré-dispor à caminhar mais longe. renunciar é liberdade. direito de não amar é esquecer o rancor e deixar que tudo seja feliz - com ou sem você.

atenciosamente,
panka.

4 comentários:

Michelle Falcão disse...

panka, eu vou te pagar até o fim da vida pra tu escrever um texto por dia pra mim, só pra eu ficar bem como eu sempre fico depois que leio qualquer coisa que tu escreve. desconfio que até uma receita de bolo que venha de ti faz meus dias melhores.

thanks forever and ever.

Liana Coll disse...

ah, renunciar é realmente um passo e tanto! entender e pegar pra si aquele princípio de que a felicidade é possível (e aí sim, completa) quando partindo de nós, e somente de nós mesmos. o nosso ser chama sempre pelos outros e por outras coisas para se sentir completo. mas completo mesmo é ser por si só.. hehe cousa intrigante!
adoreii, tanto quando a mochelle!
adoro teus textos, assim como adoro teus princípios e tudo mais.. :)
beijãao, pankaaa

Acervo Café Frio disse...

Panka, que pancada.
Um beijo e uma cara de cachorro.

Felipe Severo disse...

Cada um com o direito de amar ou não amar a quem quiser, mas o mais difícil não é amar a nós mesmos?
Questões nunca respondidas...