quarta-feira, 4 de junho de 2008

A Insatisfação muda o Mundo

Desde pequeno percebia que eu era diferente. Não gostava de esportes, preferia os livros; queria morar nos Estados Unidos, odiava minha cidade. Quando percebi que minha persona era motivo de exclusão na letárgica bolha em que eu havia nascido, acabei me entregando ao suícidio imaginário. Cortava-me, baleava-me, enforcava-me. E o bom era que eu podia me matar quantas vezes quisesse. Sem dor física alguma.
Nesses devaneios suicidas, percebi outro ponto muito gianlluquista que não deixava concretizar o suicídio: eu sonhava. Sempre que me deparava com uma situação desagradável, transportava-me para uma realidade paralela, porque, nela, eu era perfeito. O mundo era perfeito: eu tinha irmãos, eu era bonito, nevava no Natal e não havia nenhum mundo a ser descoberto além daquele - perfeitamente satisfacting.
Durante muito tempo, tudo me parecia ruim e meus sonhos, aparentemente, jamais seriam mais do que psicoses de um nerd sobrepesado que escutava ABBA e lia Harry Potter. Para mim, a vida nunca iria mudar. Eu seria sempre o ovino afro-descendente fadado ao abate social.
"Não mais do que repente", livrei-me do peso de me esconder num projeto de cidade ao vir para Santa Maria - El Dorado dos que nascem no interior. Mesmo que, no início, nada muito revelador tivesse acontecido comigo, com o tempo, pûde aprender a mais valiosa lição da minha vida (de incríveis dezessete invernos): clichês de auto-ajuda geralmente são verdade.
Seu inconsciente neste momento: "Que porra é essa? Eu li essa merda para ele dizer que clichês são verdade?"
Antes de apertar o X no canto superior...
"Nunca deixe de sonhar". Esse é o meu clichê favorito. Se eu não tivesse sonhado, nunca teria lido livros dos quais meus conterrâneos sequer vão saber da existência; se eu não tivesse sonhado, não teria estudado o que estudei, não teria me preocupado em passar no PEIES; se eu não tivesse sonhado, já teria parado de sonhar. Foram meus sonhos que mudaram minha vida - se hoje sou feliz, pois estudo o que gosto, convivo com quem amo, foi por que eu sonhei. Ou seja, eu desejei virtualmente.
É bom ver isso agora, pois tudo pelo que passei faz sentido. Toda minha infância desajustada me causou insatisfação. Opa...e só esta faz sonhar. No fim, nossos sonhos são reflexos imediatos de nossa insatisfação. É verdade que nós somos naturalmente insatisfeitos, mas só os desgostos profundos, que matam a alma, propõem a morte induzida e fazem suspiros se verterem em lágrimas é que criam mais do que um mero descontentamento. É um ciclo: ser machucado, ficar inconformado, sonhar.
Pois, então, todas as nossas realizações já feitas e aquelas outras, tão absurdas quanto, são, na verdade, insatisfações? Sim! Se qualquer coisa por nós é mudada, é porque dela não gostamos. Engraçado. Num mundo dito tão errado e tão injusto, o que muda alguma coisa são sinapses que transcendem o sistema nervoso e passam pelo coração, pelo espírito e pela aura. Quem muda o mundo são aqueles que pelo mundo foram machucados.
Pareço-me um pouco confuso, mas continuarei.
Mas o que, afinal, eu quero tanto dizer? É difícil responder: são idéias novas mescladas a sentimentos imaturos. É um embaralho mental fundado em experiências e em ambições. É uma liga, não metálica, mas aérea. Não consigo ser objetivo, desculpem-me os sedentos por dinamismo. Minha mente é tosca.
Acredito em que, no final das contas, o que clama em minha consciência para ser regurgitado neste vernáculo luso-brasileiro é a certeza e a dúvida: meu passado, agora, são feridas saradas; mas meu futuro é volúvel, é feito de medo. Meu presente é um tanto pífio se comparado ao que já passou e ao que está por vir (erro meu).
Ser machucado e me machucar me fez insatisfeito. Insatisfeito, sonhei. Dos sonhos, tenho um punhado feito concreto; o resto são sentimentos, vontades, incertezas. Meus sonhos são o caos...como este texto.
Ah! Não me interessam o caos nem a dúvida. Interessa-me o nada, o que ainda pode ser. Só que, agora, tenho uma convicção pleonasticamente convicta: não posso (podemos) parar de sonhar! Não agora. Nem nunca.
Gianlluca Simi
Acadêmico do Primeiro Semestre de Jornalismo da UFSM

11 comentários:

Acervo Café Frio disse...

"É um embaralho mental fundado em experiências e em ambições. É uma liga, não metálica, mas aérea. Não consigo ser objetivo, desculpem-me os sedentos por dinamismo. Minha mente é tosca."
Te vejo nessas frases..
Texto muito bom, grande meu abraço

Dudu disse...

Nháá, era uma vez um gatinho que sonhava com um mundo passado onde os gatos eram senhores da Terra, e acreditava que se mil outros gatos sonhassem com esse mundo ao mesmo tempo, então o poder dos sonhos iria torná-lo realidade. Com o que vcê sonha? ^^

"Sonhos não fazem promessas!"
(Pixação numa parede em Prelúdios & Noturnos)

Unknown disse...

hauaahhauahauhauaahauaahu
eu pensava q esse texto fosse do benaduce. mas tem explicação(perdão, Ceres, perdão, 1000 chibatadas). B vem antes de G.:)

ps: assinem os textos, crianças.
e não esqueçam: o blog é PRETO, né gian, gian.

Anônimo disse...

O mundo é feito de duas esferas: uma concreta e outra abstrata. Ambas se complementam. Portanto, os nossos sonhos só existem quando nós os concretizamos - isso é verdade.

No entanto, quando não se sonha em mudar, concretizamos os desejos dos outros. Ou seja, não vivemos nossas vidas.

Que um gatinho sonhe que outros mil gatinhos sonhem que o mundo vai mudar não é o bastante, mas é incrivelmente melhor do que batalhar pelos sonhos dos outros.

Só sonhar não basta. Quem sonha e concretiza muda. Quem só concretiza é apagado pela história.

Anônimo disse...

não dá pra não apelar pro raul seixas: sonho que se sonha só é só um sonho que se sonha só, mas sonho que se sonha junto é realidade.
é verdade que um sonho só não muda o mundo, mas muda a gente. e precisamos da 'gente' para mudar o mundo. não é egoísmo. é começar a batalha por dentro. teu texto está muito bom, em algumas partes me identifiquei muito com ele. parabéns gian, muito bom ^^

Unknown disse...

(pro gian, gian não choramingar q eu não falei do texto dele)
textos longos em internet me dão um pouco de agonia, sempre acabo deixando pra depois, ah, amanhã eu leio. mas, (2000 chibatadas) não só os textos desse blog, tb os textos dos blogs dos colegas, não cansam, não são prolixos. me identifico com todos. e o teu gian, parece um pouco de memórias de toda turma. todos já se sentiram um peixe fora do aquário. e sonharam em um dia poder encontrar outros peixinhos iguais. e isso aconteceu.

Ananda Muller disse...

Texto muito bom Gian (mas duvido que tu realmente pense que tua mente é tosca... hushauhsaushaushauhs)

o//

clap-clap

José Luis disse...

texto praticamente auto-biográfico do Gian, muito bem escrito, também (aliás, uma constante nos textos do blog até agora, e não era de se esperar menos).

Na verdade, todos temos sonhos, mas o que distingue os vitoriosos dos perdedores é a vontade e torná-los realidade.

O Gian sempre comenta das peripércias da pequena São Vicente do Sul, e da incompreensão de seus comterranêos com alguém que lá deveria ser considerado, no mínimo, estranho. Isso é algo que deve ter acontecido com parte da turma em menor ou maior grau, não sei se todos conseguem perceber, mas temos na turma talentos nas mais variadas áreas de conhecimento, muitos dos quais devem ter sido incompreendidos no colégio. No caso do Gian, me parece que o ambiente potencializava essas contradições, mas a realidade de SM e de outros lugares é diferente, o que não podemos, independente de onde estivermos, é esquecer de nossos sonhos...

Acervo Café Frio disse...

também achei que o texto tinha ares benaducianos...

Anônimo disse...

Exato, Zasso. Eu escrevi sobre mim porque é a única história de vida que eu domino (também, se não dominasse).

Mas eu percebi que nós, da turma, temos histórias semelhantes. A história, na verdade, sempre se repete...infinito!

Felipe Severo disse...

A primeira vez que li o texto (sem o nome do autor), tambem achei que era do Benaduce...
Gian... ótimo texto, e como foi dito é uma memória coletiva da maioria dos colegas da nossa turma... os desajustados, diferentes, estranhos...
Mas de algum modo somos nós, estranhos, que conseguimos pensar diferente... conseguimos ver um pouco (também não vamos exagerar) além dos limites que a maioria consegue ver...
Somos nós os visionários, que embora possamos ter futuros decepcionantes, tivemos pelo menos a audácia de pensar no que os outros não pensam...