sábado, 29 de novembro de 2008

Homem de bem

Ele era um homem médio, quando nasceu já se percebia essa característica, foi crescendo e tudo girava em torno disso, nunca foi muito popular, mas não era nerd, nunca tirava boas notas, mas não ficava de exame... cresceu e teve um emprego médio, público, sem muitas promoções... teve dois filhos e um casamento de oito anos, médio... o tempo passou e ele percebeu que sua vida tinha sido "média", não podia reclamar, mas não podia se vangloriar daquilo que fizera... se aposentou com 70 anos, pensou, pensou...aos 72 anos se deu conta, era hora de sua morte, tinha 72 anos oito meses e onze dias, amanhã ele vai morrer...

João Victor Moura

domingo, 23 de novembro de 2008

Baco

Baco, menino do sul, nunca havia tido amigos que considerasse tanto como aqueles que fizera no primeiro ano da Academia de Bellas Artes. Pedro, menino do norte, ao contrário, sempre tivera muitos amigos. No início, um não notava a existência do outro, o que não os impediu de virarem amigos, grandes amigos - pelo menos era assim que Baco os via.

Num golpe de sorte, Pedro e Baco resolveram abrir uma empresa juntos: Galeria Global - como o nome já diz, era uma galeria que expunha obras de arte de artistas do mundo todo. Eles tinham um pacto para manter essa empresa, mas ela era um resultado da amizade, não uma condição para que ela existisse.

Os primeiros meses se passaram bem - Pedro e Baco estavam eufóricos, o início de um empreendimento. Baco, então, era o que mais se satisfazia com a parceria. Como dito, nunca havia tido muitos amigos a que desse tamanho valor como dava a Pedro. Porém, as poucas experiências de Baco quanto a amizade haviam lhe ensinado que sempre há de haver conflitos.

Eis que o primeiro desentendimento surgiu. Por um ruído na comunicação dos dois, Baco não havia entendido Pedro e, possivelmente, a recíproca fosse verdadeira.

Baco não se sentia bem com conflitos fraternais. Também era desconfiado e achou que uma de suas melhores amizades da Academia passaria por tormentos. Pensou, refletiu, sentiu-se mal com a situação: não queria que algo que ele tinha feito acabasse com uma amizade, que, Baco sabia, tinha tomado bastante tempo para se formar.

Pensou em pedir desculpas. Não! O orgulho falou mais alto. E, para piorar a situação, era a amizade entre homens, em que, claramente, sentimentos não se afloram muito facilmente. Baco nem era bom com desculpas. Achava que era um sinal de fraqueza. Mas, no fim, Baco pediu desculpas. Para ele um alívio. Só que não sabia se Pedro entenderia ou sequer consideraria suas desculpas.

A história ainda não teve fim. Baco ainda não tem certeza se não houve mais ruídos na comunicação entre os dois. Baco nem sequer sabe se Pedro não considera o ocorrido simplesmente irrelevante. De novo, Pedro era mais experiente com amizades do que Baco.

Baco remains unconscious of the reply. He still does not know if he managed to blow such a valuable friendship. Baco wihses for the best though. Shouldn't he?

Gianlluca Simi

terça-feira, 18 de novembro de 2008

drunken head


Imagine que eu sentada numa privada, no auge da minha libertação “urinática”, tomada por um grau de ansiedade inconcebível, acabei por ter um devaneio, talvez, interessante em seu absurdo.
Oras, você bebe copos e mais copos de cerveja, às vezes coloca uns pingos sutis de alcatrão. Diverte-se vendo as pessoas passarem na calçada. Porém, numa dessas funções cotidianas, eis que surge o monstro das madrugadas. Inoportuno.
Sentada numa privada, imunda e barata, recém descarregada, com um som turbulento das águas inundando a repartição “privada”. O xixi/mijo/pipi, ou para os mais civilizados, urina, vai saindo, inicialmente tímido e com o seu barulhinho tão reprimido naquele instante. Mas, acontece. O banheiro se divide. Da tampa do vaso para trás predomina o marrom daquele som avassalador e, dali à frente, tudo está amarelo e delicado como o barulhinho do xixi/mijo/pipi, ou, para os mais civilizados, urina.
Não faz sentido que isso seja dito pra alguém. Mas, imagine. Minha mente estava mais desconexa que nunca e ver uma flor ser simplesmente uma flor seria a missão impossível do dia. Foi frenético, querido. Quando isso acontece com você é terrivelmente angustiante. Pense em um ser segurando sua cabeça para ver se ela sossega, e nada.
Acendi um cigarro ali mesmo, esperei os tormentos dormirem, mas não dormiram. Sabe, quando eu acendi o isqueiro, daquele som mínimo fez-se um estrondo e tudo ficou vermelho fogo. Agora estou ruiva, vestindo roupas diabólicas e com os olhos em chamas. Não sei se foi o isqueiro ou a lembrança... Sabe, na verdade, eu ainda te espero para acender meu cigarro, beber comigo e adormecer os seres esquizofrênicos. Acho que gosto de você, querido.



(Pois bem. Eu ia escrever sobre coisas relevantes.
Ia falar do fato ocorrido ontem no Hospital de Caridade. Comentar as vidas que esperam horas e horas para atendimento lá no Patronato. Eu ia.
Resolvi pensar sobre isso, talvez, fazer alguma coisa.
Mas dizer o que as pessoas estão cansadas de saber me pareceu irrelevante. Por fim, escrevi algo mais irrelevante ainda.
Seria eu, uma grande irrelevância?)



Caren



domingo, 16 de novembro de 2008

Chupa que é de uva

Girard



A tua vulva. É de uva? Roxa. Tá roxa ou é?
-Tá.
-Doeu?
-Sim. Foi com roupa e tudo. Ele só queria ver meu cameltoe, mas na hora que mostrei ele foi com tudo.
-Acho teu monte de vênus o mais bonito que já vi.
-Tenho partes melhores.
-É verdade que tu fizeste clitoridectomia?
-Muda alguma coisa?
-Não.
-Tu foste preso por qual motivo?
-Parafilia potencialmente perigosa, danosa para o sujeito ou para outros, trazendo prejuízos para a saúde ou segurança, ou podendo impedir o funcionamento sexual normal, sendo classificadas como distorções da preferência sexual. Meu caso.
-Gosto de bondage.
-Eu também. Pena que tu não tem um braço.
-Tu curte apotemnofilia. Crê?
-Pode crê.
-Te amo magrão.
-Te amo magrona.

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Das surpresas previsíveis

(milenar técnica do ctrl+c/ctrl+v ataca novamente)


"Mudança chegou aos EUA"


"Milagre político da vitória de Obama cria grandes expectativas."

"Vitória de Obama é um orgulho para os negros"

"Vitória de Obama pode inverter impopularidade do país no exterior."

"Escolheram mudança e otimismo"

Cinco frases. Cinco simples frases. Cinco simples frases que serão anexadas ao dossiê das grandes mudanças globais do século XXI. Uma das profecias do já obsoleto Nostradamus foi a liderança mundial nas mãos de um homem negro. Martin Luther King quase chegou lá (se é que não chegou, e nós, brancos hipócritas que somos, lhe renegamos tal espaço dentro das grandes estórias místicas do passado). Pelas vias de fato, entretanto, colocando o preto no branco (com o perdão do trocadilho), assume oficialmente o leme da maior potência mundial Barack Obama, eleito dentro de um sistema democrático que poucos conseguem compreender e/ou assimilar como racional ou lógico. Os Estados Unidos da América, em eleição histórica, dão o poder de sua nação a um homem de descendência simples, com familiares ilegais no país e alguns outros muçulmanos (tudo que a nação de Tio Sam sempre repudiou, quis ver longe de si, e quem dirá da cadeira mais importante da Casa Branca). A "América" parece estar abrindo mão de sua prepotência em prol da esperança, do sonho de (re)construir uma nação destroçada pela política imperialista de um governo encabeçado por um lunático apoiado em um povo sob efeito de histeria coletiva induzida. Os americanos do norte, entretanto, parecem -finalmente!- acordar. Os estado-unidenses [em tese] parecem ter aberto os olhos para o tamanho absurdo cometido no Oriente Médio, endossado em armas imaginárias, enforcamentos e homens-presidentes que afirmam falar direto com o todo-poderoso. As consequências de atitudes impensadas e autoritárias refletiu-se dentro de seu próprio ninho e as asas de quem ousava voar longe foram podadas pelo destino e pelo caminho certeiro de quem auto credita-se o título de soberano do universo. A Era Bush e suas incoerências finalmente parece chegar perto de seu fim. (esperamos!). Um povo deixa seus temores maiores de lado em prol de uma existência hipoteticamente mais segura. Contudo, quem terá certeza de mudanças? Quem poderá afirmar que não estamos vivendo apenas mais uma grande encenação ou um grande delírio massivo? Concretização de sonhos utópicos, como o de um país de mãos dadas com a Palestina, Afeganistão, Iraque e tantos outros? Não creio. Cubanos continuarão a sofrer embargos econômicos. O FMI seguirá a "tapar os furos" dos grandes irmãos. Países de terceiro mundo ainda terão de se contentar por muitos decênios com as migalhas dos chefes. As potências centenárias não cairão por terra instantaneamente. As tiranias não se esvairão no conforto de um sorriso pardo nos televisores mundiais. A mídia elegeu Obama. O medo do pior deu o cetro universal a ele. Era previsível, Mãe Diná não precisaria dizer nada. A esperança deu a vitória a Barack. Todos [assumamos!] desejamos sua vitória. (afinal, também temos medo do perigo). A derrotada anunciada de seu adversário republicano não foi surpresa em nenhum momento. O mulato de sorriso largo refletiu o american dream tão sonhado e a tanto perdido. Nossos dias ainda hão de chegar, mas não será um homem que trará a grande caravana da paz e do bem. O democrata recém-eleito é o inicio de uma possível caminhada, todavia nenhuma certeza, sendo tarefa de todos construir o grande maquinário que fará desse mundo um lugar melhor. Força a Obama!, não te desmerecerei jamais. Espero não ter de pôr por terra mais uma fornada fumegante ainda de esperaça. Força a todos nós! Que possamos olhar para trás dentro de alguns anos e pensar: "Valeu a pena! Valeu a pena acreditar em uma democracia verdadeira!" Que as crianças órfãs iraquianas tenham o mesmo sonho que eu tenho hoje!

"Mas nós vamos ficar ricos/vamos faturar um milhão/Quando vendermos todas as almas/dos nossos índios num leilão!"

Ananda

terça-feira, 11 de novembro de 2008

o direito de não amar.

puxando o gatilho disparado pelo texto anterior, ou apenas pescando o peixe da linha que ficou boiando, amar é complicado e vou voltar no tema. aproveitando (também) que estou nula de criatividade e apática de pensamentos, trago um texto que acho bom. e em bom momento.
antes, só algumas constatações: é fácil gostar de quem gosta da gente, é facílimo amar quem nos ama. podemos dizer de peito aberto que respeitamos quem concorda com a gente. o outro lado, desgarrado, que excluímos como doença, é que é o nosso equívoco. aprovar quem não nos aprova, respeitar quem não nos respeita. a minha educação não depende da sua. talvez vá parecer meio cristão, mas acho que amar de verdade é amar primeiro. e depois, respeitar o espaço que cada um tem - para gostar e desgostar. ser por si só, suficiente.

o direito de não amar
lygia fagundes telles

se o homem destrói aquilo que mais ama, como afirmava Oscar Wilde, a vontade de destruição se aguça demais quando aquilo está amando um outro. o egoísmo, sem dúvida o traço mais poderoso de qualquer sexo, transborda então intenso e borbulhante como água em pia entupida, artérias e canos congestionados na explosão aguda: "nem comigo, nem com ninguém!" deste raciocínio para o tiro, veneno ou faca, vai um fio.
a segunda porta foi a que escolheu aquele meu colega da academia quando descobriu que a pior das vinganças é não matar mas deixar o objeto amado viver, viver à vontade, "pois que ela viva!" - decidiu ele na sua fúria vingativa. amou-a perdidamente (...) como ele lutou, meu deus, como ele lutou! tentou conquistá-la com presentes(...) na fase final era violento - começou com as ameaças.
(...) meu colega dava murros nas paredes, nos móveis. puxava os cabelos, "ela não tem o direito de me me fazer isso!" com a débil voz da razão, tentei dizer-lhe que ela bem que tinha esse direito de amar ou não amar, vê se entende essa coisa tão simples! mas ele era só ilogicidade e desordem: "vou lá, dou-lhe um tiro no peito e me mato em seguida!" mas tantos repetiu esse juramento que fiquei mais tranquilizada com a esperança que a energia canalizada para o ato acabaria se exaurindo nas palavras.
o que aconteceu: uma noite me procurou todo penteado, todo contido, com um sorrisinho no canto da boca (...) "vou ficar quieto, que se casem depressa porque no casamento que está minha vingança. no casamento e no tempo. se nenhum casamento dá certo...".
há ainda uma terceira porta, saída de emergência para desiludidos do amor, não, nada de matar o objeto de paixão ou esperar que ela vire uma megera(...) mas renunciar. simplesmente renunciar com o coração limpo de mágoa e rancor, tão limpo que em meio ao maior abandono ainda tenha forças para se voltar na direção da amada como um girassol na despedida do crepúsculo. e desejar que ao menos ela seja feliz.


pensar sobre renúncia é sempre complicado. quando pensamos que é preciso renunciar a certas coisas, não percebemos que estamos automaticamente pensando em confiar em nós mesmos. quando criamos vergonha na cara para partir, levamos na mochila apenas o que mais precisamos. e é para isso que eu queria chamar atenção: para o que está dentro da bolsa, para o que vai e não para o que fica. pode ser que a gente não perceba, mas terão horas na vida em que vai ser inexoravelmente necessário abandonar certas coisas (até mesmo quando a gente esquece). renunciar é ter paz, é ser corajoso como insistir. renunciar é assinar um acordo consigo mesmo, é se pré-dispor à caminhar mais longe. renunciar é liberdade. direito de não amar é esquecer o rancor e deixar que tudo seja feliz - com ou sem você.

atenciosamente,
panka.

domingo, 9 de novembro de 2008

Quem inventou o amor?

Me explica por favor senhor inventor do amor, ou senhora, não sei seu gênero. Me faça entender por que o meu coração é burro. Me explique como a quem explica para uma criança por que eu acho que insistir no erro não é burrice, por que eu sempre acho que só eu consigo ver o que ninguém consegue.
Por que faz de conta que passou e qualquer faísca reacende o que parecia morto? Por que a sensação de que nunca vai passar? Eu só queria achar alguém que um dia pudesse me dizer que quer ficar SÓ comigo, que só precisa de mim.
Por que quem inventou o amor não inventou o antídoto pra isso tudo? Vem e me diz o que aconteceu e porque tem que ser assim. Tenta me explicar porque nunca pode ser como a gente quer.
Eu queria poder escrever esse roteiro, sem qualquer intervenção do destino, essa criatura medonha, que nos prega peças a toda hora.
Eu não sei se eu consigo mais...
Michelle Falcão

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

"Alô, alô Tereziiiinhaa!"


Chegar corneteando à la Chacrinha.
Que jeitinho deveras alegre de aparecer(FINALMENTE) em uma tarde ensolarada de sexta-feira!
É, primeira vez que dou às caras por aqui.
Fiquei meio perdida hoje sobre o que escrever e, confesso, ainda não estava muito certa sobre o que iria postar. Mas, pensando bem, a coisa que mais queria dizer está contida na última postagem do meu blog. Acredito que será familiar à todos o exemplo do texto, então, aproveitem a super técnica milenar do Ctrl + c e Ctrl + v:


"As aparências enganam, amigo.

É, já diriam minha bisavó, minha avó, minha mãe, eu e talvez irão dizer meus filhos, netos e bisnetos esta célebre máxima. Verdade seja dita, aparências enganam e muito. Ou pelo menos enganam nossos momentos de fraqueza. O que me inspirou a refletir sobre isso, é o livro Tia Julia e o Escrevinhador, do peruano Mario Vargas Llosa. Se me permitem a ousadia, faço um breve resumo da cena:

Dois trabalhadores de uma empresa conversam e chega um estranho que lhes pede o material de trabalho. O ar desse estranho parece prepotente aos outros dois e, como estes nunca o tinham visto, não gostaram da abordagem. No entanto, o chefe chega e apresenta o desconhecido como novo colega de firma. Esse integrante novo, que também já não estava tão confortável com a situação, velozmente se apresenta: "- Pedro Camacho, um amigo." E quando ia retirar-se, ainda diz: "- Não guardo rancor dos senhores, estou acostumado com a incompreensão das pessoas. Até sempre, senhores!"

Creio que o Pedro é um cara esperto. Sensacional, brilhante, I would say!
Quando eu li, em especial essa última fala, algo que às vezes em meus pensamentos parece tão confuso de conceituar, iluminou-se de repente.
Achei muito interessante a maneira como o autor propôs essa atitude tão verdadeiramente e tão facilmente em uma cena que ocupa, quando muito, duas páginas e que, muitas vezes, ocupa muitos anos de nosso compreendimento.
Certamente a experiência de vida celebra essas noções de valores.
Nunca é cedo demais para aprendê-las.
E também nunca é tarde de mais."


E era isso por hoje.
:)


Por Mariana Cervi Soares

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Contraste

O seu nome eu não sei. Sei que tem umas feições bem abrasileiradas. Sim, pois a mescla de origens é o comum traço do estereótipo brasileiro. Uma pele nem branca, nem negra. Uma cor mediana assim, meio tostadinha... nem mal passada, nem bem passada. É, essa tal cor de cuia. Uns cabelos pretos grossos, os quais se notava serem penteados compulsivamente para trás e fixados e endurecidos a gel - para que na hora do serviço não lhe caíssem nos olhos (mas bem que se notava uma pequena mecha insistente escorregando sobre a testa -sabe-se lá ser vaidade ou acidente). Possui um nariz avantajado e uns olhos grandes – íris negra, esclera avermelhada -. Não era nem de longe bonito. Vestia umas camisas largas jogadas, que até lhe disfarçavam a magreza. De adorno usava no pescoço um cordãozinho de couro preto. Nada demais mesmo. Nada de menos, também.

O fato que chama a atenção não está nas linhas físicas, e sim no que se adentra o corpo. Ele ,certa vez, disse que a escolha pelo estilo de vida adotado veio após a morte da mulher. O "como ela morreu" não se teve coragem de indagar. Quem sabe um acidente, uma doença. De velhice, não. Pois ele é novo: trinta e poucos. Desde então, resolvera largar o emprego fixo, o qual lhe impunha rigidez de horário e compromisso regrado. Não que houvesse largado algo muito bom - não ganhava muito, não -, mas tinha uma estabilidade, ainda que mesquinha.

Hoje vive de bicos. É pintor, marceneiro, carpinteiro. É daqueles que fazem serviços gerais. Quebra-galhos, Severino. Mas, sobretudo, é técnico em cigarros. Sabe tudo sobre fumo, tabaco, sobre efeitos e benefícios. Malefícios: a estes não desconhece, mas simplesmente ignora-os. É só conversar com ele sobre o assunto que se notará um brilho nos olhos. E gesticula e se anseia tentando traduzir o bem que uma tragada lhe faz. Daí passa a falar de música, da vida, da liberdade alcançada.

Diz que quase não come – a mulher que lhe preparava a comida. Não é estudante, mas passa a Miojo. Seu meio de transporte é uma bicicleta rústica. Dorme o quanto lhe convém, pois os horários de trabalho não são fixos, e é isto que lhe serve de ânimo. Recebe pouco pelos serviços. Mora em quarto alugado. Não tem filhos nem parentes, apenas amigos de momento com os quais troca meia dúzia de palavras – uma dúzia quando sente que algum indivíduo possa o entender. Vive mendigando moedas para os conhecidos dos locais que freqüenta, e disto não tem vergonha. Até ri quando algum lhe diz: “não dou não, sei que vais direto comprar um desses charutinhos de câncer”.

Se é feliz? Acho que sim. Ele é um contraste, e tiros de condenação são lançados seguidamente a ele. É corajoso, muito. Coragem por furar as regras, por abdicar de seguranças. Ou, por isso mesmo, é medroso, arredio e fraco? Depende do ângulo. Ele diz que tudo é uma opção de vida. Abriu mão de conforto, de estabilidade, de família. Ainda assim, talvez não se sinta solitário... Ou talvez se sinta e esta tenha sido a diretriz principal da sua maneira de ser.


Liana de V. N. Coll


OBS.: Baseado em fatos reais de um pelotense muito curioso.